Nada mais pode ser feito! — informa o médico de plantão no hospital onde Kátia dera entrada.

Venho de boa família.

Desde cedo, papai fazia questão que frequentássemos as melhores escolas da cidade. Dizia que a educação e a cultura são os bens mais importantes da vida. Trabalhava quase que dia e noite para nos dar uma vida com bastante conforto.

Mamãe era devotada demais a nós, os filhos. Para ela, cuidar bem da gente era primordial.

Tenho dois irmãos. Antonio, o mais velho, é formado, casado, tem dois filhos e mora em outro estado. Maria, a do meio, desde pequena dizia que seria enfermeira. Achava a profissão das mais belas e nobres. Entretanto, a tuberculose não a deixou realizar seu sonho e foi embora antes mesmo de completar dezoito anos.

Papai e mamãe ficaram arrasados com sua partida. Antonio, de tão abalado, demorou, pelo menos, dois meses para voltar às suas atividades habituais. Quanto a mim, a irmã mais nova, sinceramente, pouco senti com sua morte. Maria vivia a me incomodar com seus “bons conselhos” e aquilo me perturbava! Nem lhe dava ouvidos.

Uma década se passou. Hoje, tenho vinte e quatro anos de idade. Há pelo menos cinco, abandonei, totalmente, os estudos.

Nunca soube, na vida, o que realmente era conseguir alguma coisa com o suor do próprio rosto. Papai me dava tudo o que queria. Roupas de grife, joias, perfumes caros etc. Eu gostava mesmo era de ir às baladas, às festas, aos bares, enfim, aos lugares onde tem “gente feliz” e que, principalmente, me fizesse feliz.

Era comum chegar em casa, quase todas as noites, entorpecida pelo álcool. Era comum, também, passar a noite com alguém que conhecia na noite. Adorava a volúpia. Não fazia a menor questão de praticar o tal “sexo protegido” que se falava. Para mim, o que importava mesmo era o prazer.

Perdi as contas de quantas vezes engravidei. E não tinha dúvida, se estivesse grávida simplesmente ia a uma destas casas que “sabem fazer o serviço”, para expulsar o que estava em meu ventre!

A essa altura da vida, as brigas com meus pais eram constantes. Quando papai dizia que não tinha dinheiro para fazer minhas vontades, eu “virava um bicho”! Ofendia, desdenhava, destratava etc. e tal. Quebrava o que estivesse por perto, dentro de casa. Pensava: “Não me puseram no mundo? Então que dêem o que eu quero, que me aguentem!”

Não percebia quão vazia era a minha vida! E não percebi que o fundo do poço estava mais próximo que pensava!

Lembram-se do início da história? Pois é, dei entrada em um pronto-socorro! Fui parar lá por causa de uma parada cardíaca que sofri, após uma noitada.

O consumo contínuo e excessivo de álcool, e os repetidos abortos, me levaram a uma série de complicações de saúde e, fatalmente, a um enfarte que tirou minha vida, aos vinte e sete anos de idade.

Pensei que tudo havia se acabado ali, naquele hospital, mas não!

Não sei precisar o tempo e nem onde estava, quando comecei a recobrar a consciência. No primeiro instante, tentei abrir os olhos, entretanto, minhas pálpebras eram pesadas demais! O sono era tão intenso...

Tudo era muito estranho e lento! Meu corpo parecia pesado demais. Eu o sentia todo machucado. Nestes instantes, notava-me acordada. Queria levantar, porém, não conseguia.

Ouvia gritos terríveis de mulheres! Eu também gritava. Pedia ajuda, mas ninguém aparecia.

Com muito esforço, pude levantar levemente a cabeça e, ao olhar para os lados, presenciei as cenas mais terríveis em minha vida!

De um lado, avistava, junto a estas mulheres que gritavam, fetos sem vida e espalhados pelo chão. Do outro, via uma mulher que arrastava consigo um punhado de fetos e, também, sem vida. Parecia um lugar de loucos!

Algo me levou a observar o próprio corpo. Foi quando notei cinco fetos desfigurados, ligados a mim, como que por uma espécie de cordão umbilical.

Deste momento em diante, o desespero e a insanidade tomaram conta de minha mente. Ao mesmo tempo, queria fugir, sair correndo, entretanto, a dor no peito era forte demais e não permitia que me levantasse do chão frio, ao qual estava estirada.

Como se não bastasse, estas mesmas mulheres me dirigiam frases como: “Você é uma assassina! Que morra!”.

Que lugar era aquele? Que tinha feito eu para merecer e passar por tudo aquilo? Nunca acreditei em histórias sobre o diabo, mas, seria ali o inferno?

Não sei dizer se vivia e presenciava os repetidos quadros por dias, por meses ou por anos.

Não aguentava mais a aterradora situação e o doloroso sofrimento até que, num dado momento, lembrei-me de Deus.

Nunca aprendi a orar. Também, nunca tive religião. Porém, creio que a minha vontade sincera ao pedir ajuda a Deus me trouxe uma paz tão profunda ao coração e, no mesmo instante, senti-me como que transportada para longe daquele lugar tenebroso.

Longos anos se passaram. Hoje, sei que desencarnei, precocemente, por conta de meus vícios e por conta do descaso com minha vida e com a vida de meu semelhante!

Encontro-me em tratamento, em uma colônia espiritual. Soube, por meio dos mentores, que o pedido sincero que fiz a Deus, é que permitiu que Seus emissários espirituais me socorressem da região onde estava. E que estes mesmos emissários me transportaram a uma espécie de hospital desta colônia.

Soube, também, que o local que me encontrava, antes de ser resgatada, é conhecido como Umbral. Uma espécie de “inferno” criado por nossas más ações e condutas, e para onde vamos e encontramos aqueles que se assemelham a nós, quando morremos na carne!

Nesta abençoada colônia, entendi que tudo aquilo que fazemos durante a vida — durante a reencarnação — se reflete diretamente e ao mesmo tempo, na vida que estamos construindo deste lado, ou seja, cada um de nós constrói o seu próprio céu e o seu próprio inferno.

Aqui, entendi que não tenho o direito de tirar a vida de nenhum de meus irmãos, filhos de Deus.

Hoje, soube que reencarnarei em breve. Entretanto, em condições bastante precárias, tanto do ponto de vista corporal, quanto financeiro. E todas aquelas crianças que expulsei violentamente de meu ventre, por meio dos abortos criminosos, retornarão como meus filhos, graças às bênçãos de nosso Pai Celeste, que permite a todos nós, novos pontos de partida, para que, gradativamente, reparemos os erros do passado.

Manoel